Por Edmar Neves
Poucos devem se lembrar, mas houve uma época bem antes da internet, também conhecida por alguns como a Pré-História, em que o rádio era um dos mais importantes meios de comunicação de massa no mundo.
Da histeria coletiva causada em 1938 por uma dramatização do livro A Guerra dos Mundos, de H. G. Wells, ao anúncio da morte de Getúlio Vargas, em 1954, passando pelas declarações de amor via pedido de música nos programas noturnos, bem como pela descoberta de um gênero musical que definiu o estilo de vida de diferentes gerações, o rádio teve – e ainda tem – muitas funções. São elas: informar, entreter e influenciar pessoas de variadas idades e condições econômicas, causando impactos sociais gigantescos.

Entretanto, com o advento da internet e o desenvolvimento das tecnologias de comunicação, surgiram novas formas para a velha ideia de difundir conteúdos através do áudio. Uma delas são os podcasts, os quais caíram no gosto do internauta brasileiro. De acordo com uma pesquisa apresentada pelo DataReportal, em janeiro de 2023 o Brasil se configurou como o país que mais ouve podcasts no mundo. Por aqui, 42,9% dos usuários de internet entre 16 e 64 anos costumam consumir pelo menos 1 podcast por semana.
O conceito do que conhecemos hoje como podcast foi criado no início dos anos 2000 por Adam Curry, ex-apresentador da MTV norte-americana. Tal concepção diz respeito ao conteúdo produzido em áudio, atualmente disponibilizado em serviços de streaming como o Spotify, ou em audiovisual, veiculado comumente na plataforma do YouTube, podendo, também, ser disponibilizado para ser baixado. Esse tipo de conteúdo se caracteriza pela abordagem de vários assuntos diferentes, assim como por uma grande flexibilidade para se ouvir na ordem desejada. Além disso, é possível encontrar diversos formatos de produção, como entrevistas, bate-papos, narrativas reais ou ficcionais, aulas e palestras educativas, reportagens, notícias, entre outros. Dessa maneira, virou um costume entre nós brasileiros ouvir o podcast favorito durante a realização de alguma atividade cotidiana, como limpar a casa, lavar a louça ou cozinhar, fazer exercícios na academia, encarar o trânsito da cidade ou uma longa viagem, aguardar na fila do banco etc. “Confesso que antes eu tinha um grande preconceito com podcasts e preferia assistir vídeos. Mas, ao longo da pandemia, eu senti a necessidade de consumir conteúdos em outros formatos e encontrei no podcast uma companhia durante o isolamento, como se fosse uma roda de amigas conversando. Foi nesse contexto que eu comecei a consumir esse tipo de mídia”, é o que nos conta Tati Machado, gerente de social media. E mesmo depois que a pandemia passou e a vida seguiu seu fluxo movimentado usual, Tati afirma que o costume de ouvir podcasts se manteve, principalmente nos momentos em que ela está sozinha. Isso demonstra que a tradição de consumir conteúdos através de áudio continuará viva por muito tempo. |
Produzindo podcasts no Brasil
No contexto brasileiro, as primeiras experiências de produção de conteúdo no formato de podcast surgiram em 2004, com a estreia do Digital Minds em 21 de outubro daquele ano. Criado por Danilo Medeiros, é amplamente considerado o primeiro tipo dessa mídia do Brasil.
Já um dos podcasts de maior impacto e audiência no país até hoje, o NerdCast, estreou em 2006. Ele foi criado por Alexandre Ottoni (Jovem Nerd) e Deive Pazos (Azaghal) para o blog do projeto multimídia Jovem Nerd. “Foi com o NerdCast que eu ouvi o termo ‘podcast’ pela primeira vez na vida, isso por volta de 2010”, afirma o professor de geografia e atualidades Vitor Augusto.
“Eu passei a acompanhar esse podcast porque viajava de carro para poder lecionar em outra cidade e levava umas 5 horas para ir e mais 5 horas para voltar. Ou seja, eu praticamente ouvi todos os episódios que podiam ser ouvidos nesse tempo todo dentro do carro”, brinca Vitor. “Essa foi a minha porta de entrada nesse universo”, diz.

E o que era uma forma de entretenimento durante longas viagens se tornou uma maneira de ele se expressar, divulgar conhecimento e, também, pagar os boletos no início do mês. “Há uns três anos, ou seja, desde o início da pandemia que assolou o mundo a partir de 2020, eu abandonei a sala de aula e me dedico em tempo integral aos meus dois projetos online”, afirma o professor.
O primeiro projeto de Vitor é o canal no YouTube Terra Negra, produzido por um coletivo de professores que aborda temas atuais relacionados às ciências humanas, com uma proposta inovadora de dar aula in loco. “Ao invés de ensinar sobre vulcões dentro da sala de aula convencional, nós subimos um vulcão para gravar um vídeo sobre o tema”, explica o professor.
“Já o meu projeto solo é o Geografia em Meia Hora, em que a ideia é discutir não só atualidades, mas também assuntos da área da geografia em no máximo 30 minutos”, complementa.
Essa iniciativa educacional vem dando resultados impressionantes. Atualmente, o Geografia em Meia Hora está na lista dos maiores podcasts de divulgação científica do Brasil, além de ser o maior sobre geografia no país. Assim, o projeto tem ajudado milhões de estudantes, professores e interessados no assunto a terem um certo nível de contato com temas variados relacionados a atualidades, geografia e ciências da terra em geral.
Para Vitor, o grande desafio dos produtores de conteúdo é atingir não um público amplo, mas sim o perfil de pessoas desejado, o que trará um bom engajamento para o projeto.
“Nesse sentido, eu enxergo que a tendência dos podcasts para o futuro é a produção de conteúdos focados em nichos específicos. Acho que será muito difícil alguém conseguir emplacar uma produção muito generalista daqui a alguns anos”, analisa.
É seguro se informar por podcasts?
Como vimos, o podcast tem sido utilizado não apenas como uma forma de entretenimento, mas também para a divulgação de assuntos informativos e educacionais. No entanto, com a onda de fake news e de conteúdos maliciosos ou de qualidade duvidosa que assola o mundo nos últimos anos, é sempre bom ter atenção ao que se consome nos meios digitais.
“Em primeiro lugar, é importante entender quem são as pessoas envolvidas com o projeto, analisar se a visão de mundo delas é parecida com a sua ou, ainda, se é feito um trabalho sério de apuração das informações que estão sendo veiculadas”, comenta Tati Machado.
Já Vitor explica que há um grande número não só de podcasts, mas de criações em diversas mídias sociais sobre todos os temas. Contudo, segundo ele, a maior parte dessa produção normalmente é bastante ruim.
“Por isso eu entendo que as plataformas de publicação desses materiais devem fazer uma curadoria dos conteúdos a serem difundidos, já que, por exemplo, um professor consegue filtrar bons conteúdos relativos à área de formação dele, mas um aluno terá muito mais dificuldade para fazer isso”, diz Vitor.
“Agora, em relação aos consumidores de conteúdo, eu entendo que temos a obrigação de sempre desconfiar do que está sendo falado. Caso seja um assunto de nosso interesse, é de bom tom procurarmos outras fontes para compararmos e entendermos o todo do assunto ou da notícia ou, ainda, se ela é verídica ou não”, complementa Tati.
Dicas para ouvir enquanto arruma a casa
Falar sobre temas que gostamos é sempre um desafio, pois quanto mais nos interessamos por um assunto, mais informações queremos apresentar. E, no caso de podcasts, tanto o redator que vos escreve quanto os entrevistados são apaixonados por esse tipo de produção.
Assim, cada frase dita durante as entrevistas continha pelo menos duas referências de podcasts, alguns mais conhecidos, outros focados em públicos específicos. Entretanto, por sorte, tivemos o bom senso de colocar na pauta da entrevista com a Tati e da com o Vitor uma pergunta específica sobre quais os prediletos de ambos.
“Eu gosto muito de humor e adoro uma fofoquinha, ou seja, uma boa história sobre outras pessoas; então já ouvi todos os episódios possíveis do Não Inviabilize, produzido pela Déia Freitas”, começa Tati.

“Também adoro entrevistas. Então eu consumo bastante o Mano a Mano, do Mano Brown, e também gosto muito do podcast da Camila Fremder que é num tom mais humorístico, chamado É Nóia Minha?, em que ela fala de várias coisas que podem ser ‘nóias’ nossas ou não, sempre com a participação de algum convidado. Tem ainda o Calcinha Larga, que é um podcast com três jornalistas, a Camila Fremder, a Helen Ramos e a Tati Bernardi, também entrevistando pessoas. Inclusive, um dos meus episódios favoritos da vida é uma entrevista delas com a cozinheira Renata Vanzetto, que é muito divertido”, conclui a social media.
“Já eu tenho alguns podcasts focados em conteúdos nerds, como o NerdCast, que eu sou fã de carteirinha. Também por ser nerd de assuntos relativos à ciência, eu gosto bastante do Naruhodo!, que traz conteúdos relacionados a curiosidades, ciência e senso comum”, afirma Vitor.
“Em relação a podcasts pelos quais eu me informo, sou muito fã do Xadrez Verbal, que traz um trabalho impecável em relação a notícias do mundo. E o que eu mais gosto é que eles não se importam muito com a forma, e sim com o conteúdo apresentado. Outro que eu admiro é o História em Meia Hora, que é o maior podcast sobre história do país, com uma qualidade e regularidade de postagem dos conteúdos incríveis. E, por fim, o que eu escuto diariamente é o Petit Journal, pois além de ser amigo pessoal do Tanguy Baghdadi, um dos produtores desse podcast, ele é um professor que consegue trazer a densidade adequada para a forma de apresentar os conteúdos que é ímpar”, conclui Vitor.