Por Edmar Neves
Migrar faz parte da essência dos seres humanos.
Desde os primórdios, nossos antepassados se aventuravam atrás de caças e de campos para plantar. Saíram da África e colonizaram toda a Europa e a Ásia. Aventuraram-se em pequenas embarcações em direção à Sibéria e às Américas. Cruzaram o globo em grandes navegações.
Logo a industrialização instaurou-se e gerou o movimento migratório do campo à cidade — o êxodo rural. Afinal, nós sempre nos mudamos em busca de melhores condições de vida.

E nos últimos tempos um novo fenômeno, contrário, vem chamando atenção ao redor do mundo: muitas pessoas estão migrando temporariamente ou definitivamente de grandes centros urbanos para o campo, em busca de um estilo de vida menos estressante.
“Algumas pesquisas apontam que esse movimento foi percebido pela primeira vez na França na metade do século XX, e algo interessante é que lá as propriedades rurais são menores e mais próximas dos grandes centros urbanos, algo parecido com o contexto do Estado de São Paulo.” É o que nos explica Bruna Karpinski, jornalista e pesquisadora que, a partir do sonho de viver algum dia no interior, fez sua pesquisa de mestrado pela UFRGS sobre desenvolvimento rural e a migração de pessoas da cidade para o campo — os neorrurais.
O caso brasileiro
No caso brasileiro, Bruna acompanhou grupos que se mudaram para o campo a partir dos anos de 1990, no Estado do Rio Grande do Sul, e percebeu um crescimento do número de pessoas que optam por morar em zonas rurais ao longo dos anos. “Mesmo que haja pessoas de todas as faixas etárias, a maioria é composta por homens com idade entre 50 e 69 anos, sendo que muitos deles são aposentados, com escolaridade de nível superior e uma vida já estabilizada”, diz.

Algo interessante apontado pela jornalista é que muitas dessas pessoas são produtivas, ou seja, elas não querem apenas curtir a aposentadoria, mas sim cultivar a terra ou fazer outros tipos de negócios para garantir uma renda a partir da vida no campo. “Além disso, essas pessoas afirmam que foram viver no campo para ter uma melhor qualidade de vida e cultivar o próprio alimento”, comenta Bruna.
Com a pandemia em 2020, o interesse por morar no campo deu um grande salto, principalmente em grupos de pessoas com uma situação financeira melhor.
“Mesmo que minha pesquisa tenha usado dados de até 2019, vejo uma possibilidade de a pandemia ter potencializado a projeção de crescimento da migração da cidade para o campo que já era perceptível, porque as pessoas ficaram enclausuradas em casa e em apartamentos muito pequenos. Isso dificultou a rotina de trabalhos e a convivência e incentivou muitos que queriam se mudar para o campo e tantos outros que não tinham essa vontade, mas passaram a sentir a necessidade de fazer essa mudança”, finaliza Bruna.
Mudança de ares e projetos a dois
Esse foi o caso da compositora e instrumentista Luê, que antes mesmo da pandemia já via algumas mudanças em sua vida, tanto no âmbito pessoal quanto profissional. “Dois meses antes da pandemia, eu e meu companheiro, Mateo Piracés-Ugarte, vocalista e instrumentista da banda Francisco, el Hombre, tínhamos começado a morar juntos em um apartamento em São Paulo”, relembra. “Já na minha vida profissional, eu estava começando a entrar numa crise criativa e queria fazer produções diferentes do que eu já vinha fazendo, mas sem saber muito bem que caminho seguir”, completa.
Com a pandemia, a classe artística foi fortemente afetada por cancelamentos de shows e eventos, sendo que Luê e seu companheiro viram seus compromissos profissionais serem cancelados um a um. “Lembro de sentir no meu corpo os impactos de ver tudo parando de maneira brusca, do desespero de ficar presa em casa, de ir ao mercado e fazer compras gigantescas para não precisar sair de novo”, comenta. “Mas artisticamente as coisas foram dando uma virada, pois eu pude me reorganizar e refletir sobre o que fazer da minha carreira em um futuro próximo”, afirma a cantora.

Foi nessa rotina de praticar exercícios físicos no corredor do prédio, trabalhar em casa e repensar a carreira que surgiu a proposta de passar uma temporada em uma chácara na cidade de Valinhos/SP. “Os pais do meu companheiro vivem nessa chácara no interior, que tem um espaço muito grande e maravilhoso”, diz Luê. “E a gente não aguentava mais essa rotina aqui, então aproveitamos que havia uma casa desocupada lá e resolvemos partir para essa aventura”.
Com um home studio montado na chácara e os trabalhos normais, que misturavam publicidades e composições de novas músicas, é que, durante essa estadia, foi dada a luz ao álbum “Amorzinho”, do projeto Baby, parceria entre Luê e Mateo que mistura diversas referências sonoras. “Esse processo foi muito bom, porque pudemos trabalhar bastante nesse nosso projeto de amorzinho de casal cafona”, brinca Luê.
A cantora afirma que sentiu uma grande melhora de vida nesse período morando na chácara, podendo se alimentar com mais qualidade, praticar esportes e desenvolver seus trabalhos com mais criatividade e calma.
“Só que no atual momento da minha vida, eu não consegui me identificar muito com a cidade pequena, por conta do meu trabalho artístico, e por isso não me vejo retornando tão cedo para uma vida assim”, pondera Luê. A cantora explica a dificuldade para conciliar a vida no campo com a sua carreira por conta da logística para os shows, da dificuldade de realizar reuniões presenciais e Da vida cultural nas pequenas cidades.
“Mas o que eu mais sinto falta da vivência lá é de dormir e acordar com o silêncio do espaço. Lógico que às 5h30 da manhã todos os passarinhos do mundo decidiam cantar ao mesmo tempo, mas a quietude do lugar era maravilhosa. Foi um momento muito rico da minha vida”, finaliza Luê.
Viver no campo é uma boa opção?
A melhor resposta para essa pergunta é depende. Sair de um grande centro urbano e migrar para o interior traz vantagens e desvantagens, as quais vão ter pesos diferentes para cada pessoa e/ou família, sendo que tudo isso deve ser levado em consideração na hora de tomar uma decisão desse porte.
De um lado, em relação às desvantagens, é preciso considerar, por exemplo, que viver no campo implica mais dificuldade para conseguir emprego em determinadas áreas de atuação, já que em cidades menores a oferta de trabalho pode ser bastante reduzida.
As opções de cultura e lazer também podem ser limitadas em algumas regiões. Ou seja, quem gosta de badalação, de ter uma vida noturna agitada, ou, ainda, quem costuma frequentar cinemas, museus, exposições, teatros, shows, etc. talvez vá se incomodar com a calma e o sossego encontrados no campo. Outra questão que pesa bastante tanto em relação ao trabalho quanto ao lazer é a qualidade de conexão da internet, a qual, em algumas cidades, pode ser bastante lenta ou até mesmo inexistente.
Além disso, pode haver nas cidades interioranas um grande déficit em saúde e educação. Neste caso, porque é mais difícil encontrar opções de escolas e instituições de ensino superior com diversidade de métodos pedagógicos, assim como cursos técnicos e profissionalizantes. O mesmo vale para hospitais, postos de saúde e clínicas particulares, que são pouco numerosos ou de difícil acesso em determinadas áreas.
Por falar em acessibilidade, é vital ter um bom meio de transporte, pois em várias regiões pode ser um desafio se deslocar de um lugar ao outro, sendo que nem sempre é possível contar com o transporte público ou com a qualidade das ruas e estradas.

Por outro lado, as vantagens de viver no campo não ficam atrás das desvantagens, já que um ritmo de vida mais calmo proporciona uma significativa melhora no bem-estar, tendo em vista que há menos cansaço, problemas respiratórios, pressão alta, estresse, entre outros males que fazem parte da vida conturbada nas grandes cidades.
Os custos de vida no interior também costumam ser bem menores que em grandes centros urbanos, tanto em relação aos bens de consumo quanto aos aluguéis e à compra de imóveis, o que é um grande diferencial para quem quer ter uma vida com menos gastos.
O acesso a alimentos orgânicos também é consideravelmente maior, uma vez que é possível comprá-los diretamente de produtores locais, ou, ainda, produzi-los na própria residência, já que, como costuma haver espaço de sobra nos terrenos, cultivar hortas e pomares é algo bem mais fácil.
Questões como segurança, espaço e mais socialização também são atrativas, haja vista que a violência urbana em pequenas cidades é bem menor do que nos grandes centros urbanos, o que permite uma vida sem tantas preocupações e com mais liberdade para que as crianças possam brincar. Também é possível um contato mais “amigável” com os vizinhos, já que em cidades pequenas as pessoas se conhecem mais e têm maior convivência.
A relação com a natureza é outro diferencial da vida no campo, sendo que, para compensar a desvantagem do pouco acesso a espaços culturais, como shows, cinema, teatro, entre outros, o ecoturismo se apresenta como uma ótima alternativa e até mesmo como uma oportunidade de empreendedorismo.

E algo vital para diversas pessoas é o fato de que, com a ampliação de trabalhos no modelo home office, muitas vezes não é preciso abrir mão dos empregos em empresas de outras regiões, desde que haja uma conexão razoável de internet. Desse modo, é possível manter ou até melhorar o padrão de vida em termos financeiros sem que, para isso, seja necessário realizar mudanças drásticas em relação à área de atuação profissional.
Por esses motivos, é importante avaliar bem a tomada de decisão e, acima de tudo, realizar estudos, poupar dinheiro, em suma, planejar-se muito, a fim de garantir uma boa estrutura que ajudará no sucesso da empreitada de morar no campo, seja por um período de tempo, seja em definitivo. E se a mudança não der certo, esse preparo é fundamental para que se possa voltar atrás sem muitos prejuízos.