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O mercado de carbono no Brasil

Modalidade de compensação de emissões de gases poluentes na atmosfera é destaque no cenário mundial e começa a ser discutida nacionalmente

Por Edmar Neves

“A mudança climática é um dos grandes perigos que enfrentamos, e é algo que podemos evitar se agirmos agora” – Stephen Hawking

Mesmo que frases como a supracitada pareçam profecias do fim do mundo, ou meros clichês que esmaecem por serem exaustivamente repetidos, a demanda por modificações no modo de produzir e gerir os resíduos poluentes lançados na natureza não pode ser encarada como uma banalidade. Com catástrofes ambientais cada vez mais frequentes causadas pelas mudanças climáticas, ações para conter os danos são imperativas. Delas depende o futuro não só das próximas gerações, mas do planeta inteiro.

Vista aérea de uma refinaria emitindo poluentes.
Créditos: Adobe Stock

Com essa consciência, lideranças mundiais se reúnem anualmente desde 1995 na Conferência das Partes, também conhecida pela sigla COP (Conference of the Parties, em inglês). Trata-se de um evento organizado pela ONU no qual se buscam não apenas ações concretas para lidar com as mudanças climáticas, como também a cooperação internacional para sanar esse problema.

Na 26ª edição da COP, ocorrida no ano de 2021 na cidade de Glasgow, na Escócia, o mercado de carbono foi uma das principais pautas debatidas por essas autoridades. E, no Brasil, a regulamentação dessa medida de compensação de emissão de carbono na atmosfera está em trâmite nos órgãos legislativos nacionais.

Mas o que é mercado de carbono e como ele pode auxiliar no combate ao aquecimento global? Para entendermos mais sobre essas e outras questões, batemos um papo com Lise Tupiassu. Ela é professora e uma das referências no assunto no Brasil, possuindo um currículo invejável:

“Bom, meu nome é Lise Tupiassu e eu faço mil coisas. Atualmente sou professora e pesquisadora da Universidade Federal do Pará, coordeno a Clínica de Direitos Humanos da Amazônia, sou procuradora federal, trabalhando em uma área estratégica sobre energia, como petróleo e gás. Também atuei por muito tempo com questões fundiárias relacionadas a indígenas e realizei recentemente um curso de pós-doutorado em Financiamento Climático, no qual atuei como professora visitante na Universidade Columbia, em Nova York, assim como outras atividades”, explica.

O mercado de carbono

Para começo de conversa, cabe explicar que o mercado de carbono, também conhecido como mercado de crédito de carbono, é uma forma de diminuir os impactos causados pela emissão de gases poluentes na atmosfera. Em tal sistema, países e empresas que ainda não conseguiram cumprir suas metas de redução de emissões de carbono ou outros gases poluentes na natureza podem comprar créditos de países ou de empresas que as conseguiram atingir.

Nesse modelo, um crédito de carbono equivale a uma tonelada de dióxido de carbono (CO2) que não foi lançada na natureza. Ou seja, caso uma empresa situada em um determinado país, por exemplo, consiga emitir menos que o mínimo de CO2 (ou equivalente) estipulado, ela acumulará créditos que poderão ser vendidos para empreendimentos que ultrapassarem esse limite de emissões. “Quando uma empresa possui dificuldades para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, ela pode investir em algum projeto de redução de emissão e, com isso, há uma compensação”, explica Lise.

“Para dar um exemplo, vamos pensar em uma empresa aérea: ela não consegue, atualmente, ter muitas medidas para reduzir suas emissões, pois um avião vai soltar gases quando ele consome combustível. Mas essa empresa pode investir em projetos que compensem essas emissões ou, ainda, pode comprar créditos de outras empresas que conseguem atingir suas metas”, diz.

Atualmente, há duas modalidades de mercado de carbono, conhecidas como “mercado regulado” e “mercado voluntário”.

No mercado regulado, os governos dos países estabelecem metas obrigatórias para redução de emissões de gases poluentes. “A principal característica desse modelo é a existência de uma norma jurídica, como uma lei, que vai legislar sobre o seu funcionamento, estabelecendo metas, prazos e normas a serem cumpridas”, afirma a professora.

“Já no mercado voluntário, as empresas, ONGs, países e até mesmo pessoas aderem a iniciativas de redução de emissões por decisão própria, levando em conta a estrutura de consumo que dá preferência a produtos que minimizam ou não causam danos ao meio ambiente”, explica.

Neutralização de emissões

Outro conceito bastante difundido hoje em dia é o conhecido como Net Zero, encurtamento da expressão Net Zero Carbon Emissions, ou, em bom português, “Zero Emissões Líquidas de Carbono”. Tal concepção diz respeito ao objetivo de reduzir ou até mesmo zerar as emissões de carbono.

“Aqui estamos falando em termos de neutralização, ou seja, a empresa vai tentar fazer de tudo para reduzir suas emissões, seja através do investimento em novas tecnologias ou na mudança de seus modos de produção. E, caso ainda haja emissão de gases poluentes, ela vai buscar meios de realizar compensações”, afirma Lise.

Uma fotomontagem de uma floresta, céu e a palavra "CO2"
Créditos: Freepik

“Mas é importante ressaltar que, quando falamos do Net Zero, embora estejamos utilizando o termo ‘zero’, não falamos em zero emissões, mas sim neutralização total”, a professora continua. “Já que podemos dizer que é quase impossível uma empresa não emitir nada, mas é possível reduzir ao máximo as emissões e compensar pelo que foi emitido. Com isso dizemos que uma empresa atingiu a neutralidade, ou seja, que ela é Net Zero”, esclarece.

O Brasil e o mercado de carbono

Por incrível que pareça, mesmo que o Brasil tenha como principais bases energéticas as chamadas energias limpas, como as usinas hidrelétricas e fotovoltaicas, e seja referência na produção de combustíveis de fontes renováveis, como o etanol, o país é o 6º maior emissor mundial de gases responsáveis pelo aumento do efeito estufa. Estamos atrás apenas da China, dos EUA, da Índia, da Rússia e da Indonésia, de acordo com dados de 2020 do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG).

“Nós temos um perfil único em todo o mundo, pois ao contrário dos outros países, que costumam emitir gases por conta da produção de energia através de combustíveis fósseis, no Brasil os maiores responsáveis pela emissão de gases poluentes na atmosfera são o desmatamento e as queimadas de florestas, como a Amazônia, para a produção agrícola e pecuária”, explica Lise.

Ao ocupar essa posição indesejada no ranking mundial, o Brasil adotou o mercado de carbono voluntário como uma das estratégias para o enfrentamento da questão, o que pode ser uma faca de dois gumes. 

Por um lado, o mercado voluntário tem um grande potencial de trazer retorno financeiro para o país, sendo que as receitas provenientes de créditos de carbono podem atingir a marca de 100 bilhões de dólares até o ano de 2030, conforme indicado por uma pesquisa realizada pela representação brasileira da Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil). Além disso, esse modelo oferece menos burocracia, podendo abranger outros tipos de negócios. Por outro lado, essa modalidade de comércio de créditos não conta pontos para as metas de redução de emissão de CO2 dos países. Ademais, ela depende da conscientização e da boa vontade dos atores envolvidos, sendo que o não cumprimento dos objetivos não gera qualquer tipo de sanção.

“Mas esse cenário pode mudar daqui a alguns anos, pois acabamos de aprovar um Projeto de Lei, na Câmara dos Senadores, que vai regulamentar o mercado de carbono no Brasil, em que foi adotada a modalidade conhecida como cap and trade, que visa limitar as emissões para as empresas. Assim, caso esse projeto seja sancionado pelo executivo e vire lei, algumas empresas terão um limite de emissões, a ser definido pelo Estado brasileiro”, afirma Lise.

“O nosso maior desafio é que o agronegócio, um dos maiores responsáveis pelas emissões de CO2 no país, foi excluído dos setores econômicos que se tornariam obrigados a reduzirem suas emissões. Mas, ao mesmo tempo, ainda temos a possibilidade de esse setor aderir ao mercado de carbono de maneira voluntária, o que significaria reduzir de alguma forma os impactos das queimadas e do desmatamento”, comenta.

Imagem de um trator em uma plantação de soja
Créditos: Adobe Stock

No entanto, o ideal para a professora é, junto das medidas compensatórias, a preservação do meio ambiente. “Algo que eu sempre defendo é que as comunidades tradicionais, como os povos indígenas, quilombolas e ribeirinhos, assim como as unidades de conservação, são as áreas mais preservadas da floresta”, explica.

“Temos dados que comprovam que apenas 1,4% dos desmatamentos no Brasil ocorrem em terras indígenas. Caso fortaleçamos o modo de vida dessas pessoas, teremos uma tendência de maior preservação ambiental. Assim, estratégias como o mercado de carbono, se bem-feitas, a preservação do modo de vida desses povos tradicionais e o combate ao desmatamento são as principais formas de reduzir a emissão de gases poluentes no contexto brasileiro”, finaliza Lise.

Agora é torcer para ações desse tipo surtirem efeito, engajando empresários, lideranças políticas e cidadãos, a fim de que a preocupação com um futuro catastrófico por conta das mudanças climáticas seja transformada em algo do passado.

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