Por Emerson Luchesi
Garanto que você só ouviu coisas boas a respeito do consumo de um produto natural, saudável e muito conhecido, o mel. Para aliviar os sintomas da gripe, como a dor de garganta e os incômodos da tosse, por exemplo, lá está ele sendo recomendado pela mãe, avó ou tia. Quem nunca o indicou para alguém nessas circunstâncias, não é mesmo?
Todo mundo reconhece os benefícios desse alimento, inclusive a ciência. Viscoso, rico em glicose e frutose, encontrado nos favos das colmeias, o mel é muito benéfico à saúde. Produzido pelas abelhas a partir do néctar das flores, é um produto milenar utilizado para adoçar muitas receitas e conhecido por suas propriedades medicinais relativas ao fortalecimento imunológico, dentre outras inúmeras vantagens já comprovadas.

A busca por produtos orgânicos também tem envolvido o mercado do mel e estimulado uma produção mais responsável, sustentável e rigorosa para manter a originalidade desse item, assim como o bem-estar das abelhas e a preservação do ambiente de produção. Para quem busca um alimento natural, puro e livre de contaminações, a produção orgânica é responsável por esses cuidados tão importantes.
Atualmente o Brasil é um dos principais produtores e exportadores de mel orgânico do mundo. Alguns dos fatores que favorecem o cenário da apicultura brasileira são as condições ambientais e climáticas, aliadas às grandes espécies de abelhas produtoras de mel no país.
Como se produz mel orgânico?
João Marcello é um dos proprietários da Apidouro, uma empresa que atua no segmento de mel e própolis há mais de 37 anos. O empreendimento também exporta mel orgânico, tendo como maior cliente os EUA. Ele explica que a empresa não possui apiário, mas conta com muitos produtores parceiros com certificação, totalizando mais de 150.000 colmeias certificadas para a produção de mel orgânico. A Apidouro ainda é responsável por auditar esses produtos, em conformidade com as exigências do mercado nacional e internacional.
A produção do mel orgânico é diferenciada especialmente devido à área onde esse mel é produzido, o chamado pasto apícola, assim como às normas de manejo do produtor. E esta maneira específica de produzir leva a um produto também distinto, explica Marcello: “Quando a gente fala de um produto orgânico, a gente fala em dois aspectos: a qualidade do mel, que é livre de contaminações, e a certificação do produto”.
Em relação ao pasto apícola, o empresário explica que o produtor deve seguir algumas regras fundamentais: ele precisa estar localizado em uma região favorável ao cultivo; e o ponto do apiário é registrado em um GPS, sendo que, em um raio de 3 km, não deve existir fonte de contaminação primária que traga riscos à produção, como lixões, postos de gasolina, cidades, grandes plantações que usem qualquer tipo de fertilizante ou defensivos agrícolas (como o glifosato). Além disso, existe um outro raio partindo do centro das coordenadas do apiário, de 6,5 km, que é chamado de zona de segurança. Neste caso, pode haver essas possíveis fontes de contaminação, mas desde que elas sejam auditadas para evitar riscos.

No que tange ao manejo, o produtor não pode usar qualquer tipo de produto em sua colmeia para combater doenças, por exemplo. Ele deve utilizar um medicamento orgânico que seja credenciado e aprovado para uso na apicultura. No que diz respeito à alimentação das colmeias, ela pode ser feita desde que o apicultor utilize produtos orgânicos, como melaço feito com açúcar orgânico. O mais indicado, segundo João, é o que a maioria dos produtores utilizam na apicultura natural: o próprio mel produzido pelas abelhas. “A última colheita que o produtor faz geralmente é armazenada, e esse mel, que já é orgânico, é usado justamente para alimentar essas abelhas, evitando custos”, explica.
Mais uma questão indispensável à produção de mel orgânico envolve a etapa de certificação, a qual só pode ser feita por uma empresa credenciada. A que certifica os produtores parceiros da Apidouro é a QIMA IBD. Ela é responsável por ir nos apiários junto ao auditor da Apidouro e verificar todo o projeto e produção do apicultor, a fim de certificá-lo como orgânico.

Vinculada à certificação está a necessidade de registros das atividades dos apicultores. João salienta que a apicultura orgânica é extremamente detalhista nesse quesito. “O apicultor precisa registrar em um caderno de campo todas as atividades que são realizadas, criando um sistema de rastreabilidade. Esse é o ponto-chave do negócio, porque a rastreabilidade traz a garantia de que eu estou comprando o mel daquele produtor que é credenciado naquela região e daquele apiário que é certificado. Então eu posso ter um certificado internacional orgânico para atender a necessidade do meu cliente”, destaca.
João explica que todo o processo é muito metódico, pois as verificações internacionais são muito específicas. Os laboratórios que fazem a análise do mel conseguem detectar um nível de contaminação muito preciso. O glifosato, por exemplo, pode ser detectado por ser utilizado em grandes plantações, por isso a importância da zona apícola estar afastada dessas áreas de risco. Nesse sentido, o controle de qualidade do produto e de toda a etapa de produção é bem rigoroso, tudo isso para comprovar que os produtores de mel orgânico seguem as normas e as regras estabelecidas.
Atualmente a Apidouro atua nas principais regiões produtoras de mel do Brasil, desde o Sul até o Nordeste do país, com grande centro de produção de mel orgânico na região Nordeste, como no Maranhão, Ceará, Piauí e norte da Bahia. Nas regiões Sul e Sudeste, a maior dificuldade de expansão está ligada às grandes plantações que avançaram significativamente, como a de cana-de-açúcar, impedindo a formação de mais áreas de pasto apícola livres de contaminações e que atendam às especificações exigidas para a produção orgânica.
Mel convencional e mel orgânico
Para quem busca consumir um alimento orgânico, como o mel, é necessário estar atento às especificidades do produto, bem como à sua autenticidade.
A diferença do mel convencional para o orgânico está ligada ao rigoroso controle de produção. No mínimo, são feitas duas auditorias ao ano em todos os produtores orgânicos, a fim de verificar se eles seguem à risca as normas. Ao optar por um item mais natural, como no caso do mel, o consumidor tem a garantia de estar adquirindo um produto livre de contaminações químicas e, nesse sentido, muito superior em qualidade em relação ao convencional.

“O mel orgânico tem a questão da rastreabilidade muito bem definida, ou seja, você sabe de onde ele vem, de qual produtor e de qual apiário. O mel orgânico precisa ser extraído em uma casa de mel que é credenciada pelo projeto orgânico. Isso garante que ele estará sendo extraído com equipamentos inox, em uma sala higienizada e por pessoas capacitadas. Quando você consome um produto orgânico, você tem a garantia de que ele está seguindo todos os parâmetros estabelecidos”, garante João Marcello.
Para identificar o mel orgânico em meios aos demais, é preciso estar atento ao rótulo do produto. Todo mel desse tipo deve ter em seu rótulo o símbolo orgânico, bem como o de certificação e, na descrição, o contato da certificadora. Ademais, o especialista frisa que nem todo mel que se diz natural é orgânico, sendo que ele só é comprovadamente orgânico quando tem o selo de certificação.
Alguns percalços e a valorização do orgânico
Segundo João, uma das grandes dificuldades no Brasil é que o mel acaba chegando mais caro na mesa do brasileiro por ter um grande concorrente, que é o açúcar. “O mel é muito mais saudável do que o açúcar refinado, principalmente, que passou por vários processos químicos para ser fabricado”, ressalta.
A logística também é um aspecto que influencia no valor do mel orgânico. “Por estarmos no Sudeste e a concentração maior da produção ser no Nordeste, temos um produto vindo de longe e que, depois de chegar por aqui, passa por todo o processo industrial até alcançar a gôndola do mercado”, comenta. Outro fator importante está ligado aos gastos de produção em si e ao custo da certificação, a qual engloba auditorias e fiscalizações. “O mel orgânico envolve um custo maior de produção, de logística, de certificação e de auditoria, o que, consequentemente, acaba refletindo no preço final do produto”, explica.
A despeito desses fatores, a procura por produtos orgânicos é alta e é uma tendência mundial. Principalmente no exterior, essa demanda é bastante intensa, sobretudo em grandes cidades. “O consumidor está cada vez mais preocupado com aquilo que ele está consumindo, pensando na saúde a longo prazo”, destaca.
Essa preocupação tem feito com que a população comece a repensar sobre a qualidade do alimento que está ingerindo. A partir disso, o orgânico passa a ser a melhor opção, tornando-se um tipo de produto muito mais valorizado.
Benefícios do mel para a saúde humana
O mel, como um produto natural, orgânico ou convencional, possui inúmeros benefícios para a saúde, pois é um alimento extremamente saudável e muito rico em nutrientes. Contudo, a maioria dos brasileiros está acostumada a ingeri-lo apenas como medicamento e não como alimento. Nesse sentido, o consumo no nosso país é considerado muito baixo.
“Para se ter uma ideia, hoje o consumo de mel no Brasil é por volta de 50 g por habitante ao ano. Quando se fala em consumo no mercado americano e europeu, se estima por habitante uma quantidade em torno de 1 kg a 1,5 kg por ano (30 vezes mais que o consumo brasileiro)”, ressalta João.
Também devem ser considerados os benefícios de subprodutos do mel, como a cera e o própolis. Este último, por exemplo, é milenar e conhecido por suas inúmeras vantagens à saúde, sendo um dos maiores antibactericidas naturais existentes e um ótimo antioxidante. Outros casos são o da geleia real, que é um alimento natural rico em aminoácidos, e o do pólen do mel, que também é repleto de aminoácidos e proteínas.
Apicultura e o meio ambiente
O setor apícola de um modo geral depende diretamente do meio ambiente, pois se utiliza das matas nativas, necessitando desse ecossistema muito bem desenvolvido para que a abelha possa visitar as flores, colher o néctar e o pólen, trazer isso para as colmeias e gerar o mel.
“Vemos muitos produtores combatendo atitudes que impactam negativamente esse ecossistema que é o meio ambiente onde se produz o mel. Um desses combates, principalmente no Nordeste, foi a luta para que se parasse de pulverizar plantações com aviões, pois o produto químico usado na pulverização pode ser arrastado por quilômetros de distância através do vento, atingindo áreas preservadas e destinadas à produção de mel, trazendo contaminação por agrotóxicos e mortandade das abelhas”, ressalta João Marcello.

Nesse sentido, a preservação do meio ambiente e o cuidado com a saúde das abelhas produtoras são indispensáveis à produção do mel. “O apicultor que preza pela produção orgânica é um grande aliado do meio ambiente, pois o profissional depende das matas nativas e de um ecossistema muito bem estruturado, com chuvas regulares, para que as floradas sejam bem definidas. “Tudo isso está dentro do contexto para se ter uma apicultura sustentável”, finaliza.