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Desvendando o livro: por dentro dos processos editoriais

Capas que contam histórias, designs que contribuem para a compreensão da obra: descubra a arte que faz um livro ser tão especial

Por Edmar Neves

A frase “o livro serve para viajar sem sair do lugar” é um daqueles clichês que nunca deveriam se tornar banais pela exaustiva repetição. Afinal, essa tecnologia milenar não só ajudou a humanidade a preservar e transmitir seus conhecimentos, como também serviu de portal para nos transportar a outros momentos históricos e/ou universos que podem nos tirar da realidade – ou colocar uma lupa sobre ela.

Até mesmo a palavra “clichê” tem tudo a ver com o nosso tema. Isso porque esse termo começou a ser utilizado para nomear placas de metal empregadas por muito tempo na imprensa, com a função de gravar imagens ou textos nas páginas durante o procedimento de impressão.

Nesse esforço de desvendar os processos que se escondem nas folhas dos livros e transformam algumas publicações em verdadeiras obras de arte, conversamos com Tânia Maria. Ela é uma profissional do meio editorial responsável pela diagramação dos livros, com mais de 30 anos de experiência, que hoje atua na editora Companhia das Letras e que faz a seguinte constatação: “a maioria das pessoas que trabalham nesse meio são mulheres!”.

Três mulheres trabalhando na edição de um livro
Créditos: Freepik

Mas, para começo de conversa, vale explicarmos como funciona isso que chamamos de processo editorial. Afinal de contas, o objeto “livro” não surge pronto logo após um texto ser elaborado, havendo diversos profissionais que se dedicam muito junto aos autores para que possamos ter em mãos produções que marcam nossas vidas. “Em primeiro lugar, a pessoa escreve uma obra e busca uma forma de publicar, como, por exemplo, uma editora. Também há casos de obras estrangeiras cujos direitos são comprados pelas editoras e que são traduzidas para o português”, diz Tânia.

“Esse material ‘bruto’ é aprovado pelos editores, e uma série de profissionais começa a trabalhar para o nascimento do livro, como: os preparadores e revisores, que vão fazer ajustes no texto visando questões de gramática e escrita; designers, que vão elaborar todo o projeto artístico da capa e do interior do livro; a diagramação, que vai juntar tudo isso no formato de um livro; e a gráfica onde a obra vai ser impressa. Lembrando que entre cada uma dessas fases há ajustes que são feitos, com idas e voltas entre os profissionais para os acertos necessários”, esclarece.

“O que eu acho mais poético nesse processo todo de elaboração de um livro é que, em vários casos, os profissionais chamados para trabalhar em um projeto têm algum nível de relação com o tema a ser abordado. Por exemplo, atualmente estou estudando psicanálise e trabalhei no livro Hoje sou eu quem falo: os ecos da psicose, da Araceli Albino e da Maria Teresa M. Barros. Foram 3 páginas de anotação, vários elementos colocados na capa e, na hora de aprovar o projeto gráfico, não deu outra: as autoras adoraram!”, afirma a diagramadora.

O projeto gráfico como parte da obra

Mesmo que todo esse processo fique invisível aos olhos do leitor na hora de desfrutar de uma obra, ele é essencial para que um livro seja aproveitado em todo o seu potencial. “Na diagramação, por exemplo, nós deixamos o texto sempre organizado dentro da página, ou, ainda, colocamos uma fonte maior no título para dar destaque, fazemos a integração de imagens com o texto etc. Esse é um processo que exige muita paciência”, explica Tânia.

Outro ponto importante é entender a melhor maneira de distribuir o texto nas páginas, pois há um limite de espaço no qual essas informações devem ser inseridas. “Todos os projetos que eu fiz até hoje foram desafiadores, já que é um trabalho que beira o artesanal. E algo importante para os autores pensarem é: qual o propósito dos elementos a serem colocados no projeto? Eles significam algo para a obra e, caso não signifiquem, será que convém mantê-los?”, diz a diagramadora.

Duas mulheres trabalhando na edição de um livro
Créditos: Freepik

“Para se ter uma ideia, recentemente eu fiz a diagramação do livro A filosofia da música moderna, do Bob Dylan. E essa obra deu muito trabalho, pois em vários momentos foi preciso acertar o tom das fotos, ajustá-los com a fonte escolhida, organizar os elementos presentes na página. Quando vemos o resultado final, parece que é algo simples, mas foram muitas idas e vindas até ficar com a qualidade necessária”, afirma.

A diagramadora ainda esclarece que é impossível desassociar o objeto “livro” da forma como nós seres humanos percebemos o mundo, isto é, como olhamos as coisas, como as tocamos, quais cheiros nos são mais agradáveis, em suma, como sentimos o ambiente ao nosso redor. “Por isso eu falo que há muita poesia nesse casamento entre o livro e o conteúdo publicado nele, pois todos envolvidos estão pensando em quais impactos uma obra vai ter para todos os sentidos”, diz Tânia.

“E esse é o encanto do pensar o que é uma ‘embalagem’ para um livro, porque aquilo que os autores pensaram em termos de conteúdo precisa ser representado graficamente. Sabe aquela frase ‘uma imagem vale mais que mil palavras’? Nesse caso, uma boa capa tem que valer tanto quanto mil palavras, pois esse vai ser um dos primeiros contatos do leitor com a obra”, complementa.

Protagonismo feminino na área

Há, no mercado editorial, um predomínio de mulheres atuando nos processos de produção dos livros. Tânia explica que, normalmente, as pessoas que ingressam nessa área são formadas em graduações como Letras, Comunicação Social, Produção Gráfica ou Design, nas quais há também uma preponderância feminina.

“Puxando de memória aqui, lembro que, no grupo interno que fazia a parte de diagramação em uma editora em que trabalhei, havia um rapaz e sete mulheres no setor”, comenta a diagramadora.

No entanto, mesmo que as mulheres ocupem a maioria dos postos de trabalho no ramo da editoração, uma tendência problemática permanece, com homens ocupando a maior parte dos cargos de chefia no setor. É o que aponta um debate mediado pelo PublishNews – um dos mais relevantes portais especializados em notícias sobre a indústria do livro no Brasil.

Uma mulher sorrindo atrás de alguns livros
Créditos: Freepik

Um reflexo disso é a falta de diversidade nas publicações. De acordo com uma pesquisa coordenada pela professora Regina Dalcastagnè, da Universidade de Brasília, mais de 70% dos livros de romance brasileiros que foram publicados entre os anos de 1965-1979 e 1990-2014 por editoras do país tidas como as mais importantes eram de autoria masculina.

Entretanto, se no grande mercado há uma homogeneidade tanto nas publicações quanto em cargos de liderança, em publicações alternativas e independentes as mulheres ganham destaque, como pontua Martha Ribas, sócia da Janela Livraria, em sua participação no debate da PublishNews.

Agora, para quem tem interesse em ingressar nesse campo de atuação, Tânia diz que não há muitos segredos. “Você tem que estudar bastante e sempre estar atualizado para o fazer do livro. Mas uma grande dificuldade é que uma boa formação demanda um grande investimento financeiro e esse, a meu ver, que é o maior desafio para quem quer atuar nessa área”, diz.

Mesmo com os desafios e a grande necessidade de valorizar as mulheres nesses espaços, a poesia em materializar e disputar de maneira artística sonhos, ideias, narrativas e poemas (para citar uma imagem bastante evocada por Tânia Maria), principalmente nas editoras e publicações independentes, faz a labuta das mulheres envolvidas no processo editorial apontar para outras possibilidades de realidade.

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