Por Suzana Amyuni
Cozinhar em casa pode ser muito mais divertido do que parece. O processo começa na escolha do cardápio, passa pela compra de alimentos, pelo preparo das refeições, pela decoração do prato e termina na mesa, com o saborear das receitas, quiçá, cercado de muitos elogios.
Já era um hábito estimulado havia algum tempo por tantos programas de gastronomia na TV. E ultimamente muitas pessoas viram-se obrigadas a ir para a cozinha. Depois de ouvir nutricionistas, checar pesquisas e entrevistar pessoas que gostam de cozinhar, podemos concluir: cozinhar em casa é um processo de arte, terapia e saúde.
Trataremos desses pontos nesta reportagem que, além de bons motivos para você se animar com o desafio, traz também dicas de quem já cozinha e a palavra da nutricionista comportamental Andreza de Freitas Micelli.

A arte culinária
Quem se lembra desse termo, hoje tão pouco utilizado? Esta jornalista que vos escreve, quando menina, fez cursos de arte culinária no SESI. Atualmente, com linguagem e pratos mais refinados, a arte é denominada gastronomia. Um prato bem elaborado tornou-se até motivo de competição. A decoração é item importante na avaliação do júri.
Mas a arte culinária ou a arte da gastronomia começa muito antes, na seleção dos alimentos. “Essa é uma das grandes vantagens de cozinhar em casa, o contato com o alimento é muito maior. É bem diferente de quando você vai ao mercado buscar uma comida pronta”, ressalta a nutricionista Andreza Micelli.
Quando compramos o alimento pronto, até podemos supor quais ingredientes ele leva, mas não sabemos exatamente como foi preparado; não choramos com a cebola e não sentimos o perfume dos temperos no azeite. Perdemos oportunidades preciosas.

Esse foi um dos motivos que levaram a gestora de marketing digital Viviane Tavares Lougon Fernandes a mudar hábitos há 3 anos. “Eu queria emagrecer sem ficar dependendo dos outros e passei a cozinhar 100% em casa. E foi a melhor coisa que fiz. Hoje eu escolho não só o que vou comer, mas o jeito de preparar o alimento”, afirma a capixaba.
Liberdade de escolha
Um dos prazeres da arte é a liberdade. Escolher alimentos e temperos que darão sabor à sua refeição também é muito diferente de optar por um prato pronto. E hoje há imensa variedade de produtos que podem tornar essa prática mais eficiente e prazerosa.
Susi Simões gosta exatamente dessa liberdade. Adepta da arte de cozinhar em casa, seu negócio é inovar. “Eu nunca sei o que vou comer amanhã, a maioria das refeições que preparo não tem receita, tenho ideias na hora. E a família adora”, relata a artesã. “Tanto a criatividade como o reaproveitamento estão presentes nos pratos que faço. O cardápio de hoje, por exemplo, foi salada de cenoura com couve e abóbora assada com mel, manjericão, azeite, cebolinha e sal”, conta.
Detalhe: todos os temperos são da horta que cultiva em casa. “Faço tudo com muito amor e inspiração, por isso fica bom”, diz.

Terapia, será possível?
Tem horas que é só pensar em cozinhar que dá aquela preguiça. Como pode ser terapêutico? “A alimentação está relacionada ao emocional. Muitas vezes escolhemos um cardápio que lembra nossa mãe, nossa avó ou até nossa infância. E isso é terapia. Outras vezes, tentamos retirar do cardápio um alimento que gostamos muito, como um chocolate, por exemplo, na tentativa de atingir um objetivo; a terapia, nesse caso, está justamente no movimento contrário: inseri-lo, mas de forma adequada”, afirma a nutricionista comportamental.
Andreza sugere, nesse exemplo, que o chocolate seja consumido com uma fruta ou então após uma proteína. Segundo ela, desta forma é possível atingir qualquer objetivo, seja ele emagrecer ou apenas alimentar-se de forma adequada. Então esse é o primeiro ponto da “cozinhaterapia”. Sentir-se bem com a comida.
Agora vamos à prática, pense nesta cena: após um longo e exaustivo dia de trabalho – na empresa ou em home office – você abre um bom vinho, coloca uma música e vai para a cozinha.
O preparo do jantar, a forma como corta os alimentos e até o pensar na decoração do prato tornam-se tarefas relaxantes e divertidas. A concentração em cada detalhe vai fazer você se esquecer dos problemas do trabalho e sair do piloto automático.
“As pessoas estão industrializadas. Quantas vezes não lembramos sequer o que almoçamos ontem? É preciso sair do modo automático, e decorar o prato ajuda nessa missão. Mesmo que seja só para você, vale a pena, exercita a criatividade e é uma forma de amor próprio”, declara Andreza.

Tradições familiares
Toda família tem aquele prato típico que era marca registrada da mãe, da tia ou da avó. E esse é mais um bom motivo para botar a mão na massa. Uma cozinha afetiva deixa tudo mais saboroso. Na família de Susi Simões, o cuscuz é o prato mais representativo. “Eu como esse cuscuz desde que me entendo por gente. Minha mãe ficou viúva aos 33 anos com 7 filhos para criar e fazia esse cuscuz, que faz parte da nossa história. Comemos juntos nos momentos de tristeza e de alegria, porque ele significa superação” relata.
Já Viviane cultivou hábitos alimentares diferentes daqueles que sua família tinha e, ainda assim, tem duas memórias afetivas que faz questão de preservar: uma é o tradicional arroz e feijão, sempre presente na mesa de seus pais; e outra é a refeição em família, da qual não abre mão. “À noite eu sempre arrumo a mesa e nós nos sentamos e jantamos juntos. Não é aquela refeição rápida à mesa da cozinha, é um momento mesmo de conversa, de afeto e de união”, comenta.
As dicas da nutricionista
“Comece comprando alimentos que goste, que lhe sejam apetitosos. Outra orientação é pensar naquilo que seja prático; muitas vezes, sentimos preguiça da cozinha porque pensamos em receitas muito elaboradas ou demoradas e isso desanima mesmo, ainda mais se a pessoa estiver cansada”.
“Quando vou fazer compras procuro ter em mente o que quero fazer e quem vai comer. Já errei muito comprando alimentos que nem faziam parte da nossa rotina alimentar na expectativa de preparar algo mais elaborado; hoje já consigo comprar apenas o necessário, não faço nenhuma receita muito complicada ou demorada”.
“Cuidado com as receitas da internet. Às vezes são meio estrambólicas ou trazem ingredientes difíceis de encontrar e, se for substituí-los, o resultado pode não ficar bom, o que vai gerar frustração”.
Saúde na cozinha
O Núcleo de Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde (Nupens) da Faculdade de Saúde Pública da USP já comprovou em diversos estudos os benefícios de uma refeição com alimentos mais naturais e menos industrializados. Em geral, quando cozinhamos em casa o resultado é exatamente esse: uma comida mais orgânica.

Um ensaio controlado randomizado do National Institutes of Health (NHI) revelou que pessoas consumindo dietas ricas em ultraprocessados ingeriram mais calorias e ganharam mais peso do que quando consumiram alimentos menos processados, que tinham a mesma quantidade de nutrientes. Os ensaios randomizados são considerados no meio científico como o melhor tipo de experimento para mostrar relações de causa e efeito.
Na dieta ultraprocessada, os participantes apresentaram níveis mais baixos do hormônio supressor do apetite e níveis mais altos do hormônio da fome, razão pela qual a simples força de vontade não é suficiente para mudar hábitos, afinal, o ambiente alimentar está todo manipulado.
Para a família toda
Outro estudo do Nupens apontou que pais que cozinham protegem a saúde de seus filhos. A pesquisa foi publicada pela revista científica Appetite, especializada em alimentação.
O estudo acompanhou 654 crianças entre 6 e 9 anos que frequentam escola particular em período integral em São Paulo. Então, os pesquisadores analisaram o jantar, já que é a principal refeição preparada pelos pais na maior parte da semana.
No grupo estudado, a confiança dos pais em suas habilidades culinárias é inversamente proporcional ao consumo de ultraprocessados pelos filhos. Assim, o aumento de 10% no índice de confiança culinária dos pais determinou uma queda de 1,5% na presença de produtos ultraprocessados na alimentação das crianças.
Bem, se a questão é confiar em suas habilidades culinárias para arriscar ter presença marcante na cozinha, incentivos não faltam. Diretora e apresentadora do programa Cozinha Prática, da GNT, a chef Rita Lobo é defensora da mão na massa. Para ela, cozinhar é como ler e escrever: todo mundo deveria saber.
E Rita se esforça para que todo mundo saiba, tanto que publicou uma série recente de livros que estimulam as pessoas a irem para a cozinha sozinhas ou acompanhadas. Com esse cabedal de informações, vai ficar difícil arrumar desculpas para não cozinhar.