Por Edmar Neves
Uma porta se abre de maneira abrupta e surge uma pessoa animada com um grande envelope na mão. Na parte da frente do envelope há uma ilustração belíssima e de seu interior a pessoa retira, ansiosa, um encarte com várias informações sobre as quais passa o olho de maneira voraz. Como se lembrasse de algo vital, a pessoa volta sua atenção para o envelope pegando de dentro dele um grande disco preto que analisa com bastante atenção, como se procurasse por algum segredo oculto.
Após alguns segundos olhando-o, coloca o disco em uma máquina que começa a girá-lo, sendo que com certa velocidade a pessoa põe sobre o disco uma agulha que desliza de maneira macia em sua superfície. O encontro entre agulha e disco produz um pequeno ruído com estalos e, como em um passo de mágica, os sons de instrumentos musicais começam a tocar tomando todo o local…

A cena descrita poderia ser de um filme de época ou até mesmo uma lembrança boa de uma pessoa mais velha sobre os seus tempos de juventude, mas vem se tornando cada vez mais recorrente entre jovens – de idade e de espírito – em relação aos discos de vinil.
Apesar das facilidades dos streamings de música, os discos de vinil ainda proporcionam experiências que a música em formato digital jamais conseguiria: a alegria de encontrar um disco raro ou há muito desejado, a qualidade de áudio superior, a materialidade da capa e do encarte. Também há a possibilidade de ler a ficha técnica e as letras das músicas, além de toda uma relação afetiva com o disco em específico.
As amigas Carol Amorim, que atua como jornalista, e Natália Carvalho, também conhecida como Nat/Esquema, que é psicóloga, fazem parte dessa nova geração de amantes e colecionistas de discos de vinil.
“É uma coisa que sempre conversamos: a paixão pelo vinil é uma herança”, explica Carol.
“Eu busquei colecionar vinis por conta de uma conversa com a minha psicóloga na qual percebemos que eu precisava de um hobby para lidar melhor com o dia a dia”, diz Natália.
“O meu pai era colecionador e quando a minha família descobriu meu interesse por vinis, parece que eles se ligaram que podiam deixar os discos na minha casa que eu ia gostar e cuidar”, brinca Carol. “A música parece ser tão significativa para nós por ter esse viés afetivo, porque sempre fez parte das coisas da família, das construções das relações”, complementa Nat.
Os discos para além do sentar e ouvir
Na metade do século XX, o Brasil se consolidou como um grande mercado não só consumidor mas também exportador de música, e esse fato reflete até os dias de hoje com a prensagem não só de obras antigas como também de obras atuais. “O nosso país tem uma curiosidade, que eu acho fenomenal, que é a nossa facilidade de fazer as coisas convergirem na nossa linguagem”, afirma Nat.
Natália lembra que “a Jovem Guarda foi uma releitura do rock britânico da década de 1960, ou ainda, a Tropicália trouxe elementos externos para a sua sonoridade”. A música brasileira é, portanto, uma das principais marcas do país no mundo.
Por esse motivo, muitos apreciadores de música ao redor do globo procuram discos de artistas brasileiros para sua coleção, transformando alguns discos de vinil raros em artigos valiosíssimos, o que ajuda a consolidar ainda mais o mercado brasileiro atual.
Além desses fatores mercadológicos – que são cíclicos – e dos preços superfaturados em alguns casos, há toda uma cultura do vinil que envolve desde o garimpo de obras, os cuidados a serem tomados, a curadoria, as redes para trocas de informação, as manifestações de rua com foco na discotecagem e muito do que permanece vivo independente de qualquer condição de mercado ou modismo.
Como exemplo desse movimento de garimpo e trocas de informação, a própria Carol mantém em suas redes sociais um quadro chamado “VinilVerso” com a proposta de conhecer e apresentar ao público lojas de vinil pelo Brasil. “Nesse processo de pesquisa, eu e minha esposa descobrimos uma loja em Joinville/SC que está ativa há mais de 50 anos”, diz.

Já a Nat rompeu com o universo majoritariamente masculino dos DJ’s e começou a trabalhar fazendo discotecagem exclusivamente de discos de vinil. “O pessoal que sai à noite já fica atento, pois querem saber o que vou levar para tocar. Com essa questão de não ter músicas baixadas, tudo depende da minha curadoria”, explica.
E Carol interrompe a amiga para fazer uma declaração: “quando ela começou a fazer as discotecagens ela iniciou um movimento na cidade fazendo, inclusive, um workshop sobre vinil só para mulheres em uma tentativa de democratizar a cena. Eu mesma comecei a discotecar por causa da Natália”, relembra.
Os clubes de vinil como uma porta de entrada
Para quem tem interesse em entrar no mundo do colecionismo de vinis, uma ótima porta de entrada são os clubes por assinatura que, a partir de uma curadoria personalizada, enviam periodicamente ao assinante um disco de vinil com itens extras.
“Algo bacana que o clube de assinatura me traz é que eu não tenho a obrigatoriedade de ser a única curadora da minha coleção, pois não preciso mais ficar atenta a tudo que é lançado, ou ainda ficar garimpando obras desconhecidas em lojas, pois eu, como muitos, não tenho tanta disposição de tempo para pesquisar”, pondera Carol.
Explore os três grandes clubes de assinatura no país:

A Noize Record Club, que além dos discos de artistas clássicos e recentes, oferece uma revista exclusiva com diversos materiais extras contendo entrevistas, histórias de bastidores e uma variedade enorme de artistas nacionais e internacionais.
A revista conta com dois modelos de assinatura: a mensal (R$ 85 + frete) e a assinatura bimestral (R$ 95 + frete). Para quem quer adquirir o disco avulso, o valor sobe para R$ 150 + frete.

A Três Selos é um clube que disponibiliza um catálogo mais voltado para os clássicos de gêneros como Jazz e MPB, trazendo artistas de extrema qualidade mas ainda pouco conhecidos. Conta com duas modalidades de assinatura: mensal (R$ 130 + frete) e anual (R$ 120 ao mês + frete). Os discos avulsos podem ser comprados pelo valor de R$ 180 + frete.

E o Vinil Brasil Clube, que tem como foco a música brasileira em sua grande diversidade de discos que vão do rock experimental até a black music, passando pelo samba e também hard core. Possui somente um plano de assinatura mensal (R$ 155 mensais). Já o catálogo do Vinil Brasil está disponibilizado para vendas avulsas com valores entre R$ 80 a R$ 200.