Por Edmar Neves
A capacidade de desenvolver tecnologias é algo que nos constitui como humanidade. Seja no campo ou na cidade, em terra, ar ou água, nos tempos de paz ou de guerra, de saúde ou de doenças, não importando o local e o período histórico, nós sempre avançamos graças à nossa persistência e habilidade criativa.
Nas últimas décadas, a tomada de consciência sobre os problemas relacionados ao aquecimento global, que nós mesmos ajudamos a potencializar, trouxe novos desafios. Com isso, advém a necessidade de inovações tecnológicas para que possamos viver no planeta de maneira mais sustentável.
A queima de combustíveis fósseis, como o gás natural, o carvão mineral, o petróleo e seus derivados — a exemplo da gasolina e do óleo diesel — está entre os maiores responsáveis pelo aumento da temperatura no planeta. Tal processo, vinculado ao transporte e a outros procedimentos de uso e geração de energia, respondia, em 2016, por mais de 70% das emissões mundiais de gases poluentes, de acordo com dados divulgados no relatório Sector by sector: where do global greenhouse gas emissions come from?.
Tendo em vista o impacto causado pelo setor de transporte ao redor do mundo, o fim da fabricação de veículos a combustão parece ser uma questão de tempo. Em 2021, o secretário-geral da ONU, António Guterres, apresentou a proposta para que os países desenvolvidos deixem de produzir carros desse tipo até 2035. Já para os países em desenvolvimento, a proposição é extinguir essa categoria de manufatura até 2040.

Nesse sentido, os veículos elétricos ou híbridos — que funcionam com eletricidade e algum outro combustível — têm se apresentado como a melhor alternativa para a mudança da frota mundial. A fim de entender mais acerca do desenvolvimento histórico dos carros elétricos e do panorama dessa tecnologia no Brasil, conversamos com o engenheiro mecânico Carlos Roma. Ele trabalha há décadas no segmento automobilístico, sendo diretor-geral da TB Green (empresa que atua nos ramos de logística e carga com veículos elétricos) e membro da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE).
Carros elétricos: novidade nem tão nova assim
Apesar do significativo destaque dado aos carros elétricos nos últimos anos, a formulação do conceito para a produção de um motor a eletricidade já tem cerca de 200 anos!
“Quem inventou os primeiros conceitos para a criação do motor elétrico foi o físico, químico e inventor britânico Michael Faraday, entre os anos de 1821 e 1824”, nos explica Carlos Roma.
“Agora, dizer quem foi realmente a primeira pessoa que produziu um motor elétrico é um pouco mais difícil, mas atualmente há um consenso em torno do nome do ferreiro estadunidense Thomas Davenport, por volta de 1834”, diz.
Já identificar o precursor dos carros que funcionam com motores elétricos é ainda mais complexo, pois ao longo do século 19 houve uma verdadeira corrida para a elaboração de novas tecnologias relacionadas ao transporte. “Algo parecido aconteceu com o avião, que possui uma disputa para definir quem foram os inventores, se Santos Dumont ou os Irmãos Wright”, afirma o engenheiro.
“Agora, sobre os carros elétricos, eu diria que um possível criador foi o inventor escocês Robert Davidson, que construiu um protótipo de uma locomotiva elétrica em 1837. Porém, tantos outros visionários trouxeram suas contribuições para o desenvolvimento dessa tecnologia, como o físico e padre húngaro Ányos Jedlik, o engenheiro francês Gustave Trouvé ou o químico americano Oliver Fritchle”, comenta Roma.

Mas se a criação do carro elétrico já é quase bicentenária, por que essa tecnologia só está ganhando espaço na atualidade? Carlos explica que, entre 1900 e 1920, os carros elétricos eram uma sensação entre as elites urbanas, pois havia um grande problema em relação à partida daqueles com motor a combustão, a qual precisava ser feita manualmente, girando-se uma manivela. “Isso mudou quando um camarada chamado Charles Kettering inventou um motor de partida que foi instalado em um carro do modelo Cadillac, em 1911, o qual logo se popularizou em toda a indústria automobilística”, esclarece o engenheiro. “Eu diria que esse foi um dos fatores que ‘matou’ o carro elétrico naquele momento, já que o com motor a combustão ficou muito barato, fácil de ligar, e o resto da história nós sabemos como se deu”, diz.
Retomada recente
Nas últimas décadas, principalmente a partir dos anos de 1990, o carro elétrico voltou a ser o centro das atenções no cenário do transporte mundial. Além da questão ambiental, que é um ponto essencial, outros fatores contribuíram para que esses veículos ganhassem novo protagonismo na indústria automotiva.
Um primeiro aspecto é o crescente interesse de algumas empresas norte-americanas em relação a esse tipo de tecnologia. O destaque nesse sentido é a Tesla, com seus modelos de carros inovadores, luxuosos e altamente tecnológicos, a exemplo do Model S, do Model 3 e do Model X.
Outro ponto relevante para o incremento da adesão mundial aos elétricos é o fator China. Em 2015, o país adotou um ambicioso plano a fim de se tornar uma potência global, conhecido como Made in China 2025 (MIC2025). Nele, dá-se foco a 10 setores econômicos estratégicos, dentre os quais a produção de veículos movidos a energias renováveis.

“A China é um dos maiores emissores de poluentes do mundo e, em uma curva de demanda, o país já está produzindo cerca de 9 milhões de veículos elétricos por ano, sendo que muito dessa produção é exportada”, comenta Carlos.
Nesse movimento, o país tem influenciado a produção global de carros, já que o mercado chinês é o maior consumidor de carros do mundo. Assim, as montadoras passaram a se adequar para atender às necessidades chinesas, gerando uma verdadeira corrida por inovação tecnológica.
E o Brasil nesse contexto?
Em terras brasileiras, há um grande protagonismo na produção de energias limpas. Isso porque, com várias hidrelétricas funcionando há décadas e com um crescimento considerável dos parques de geração de energia eólica e solar no país, a emissão de gases responsáveis pelo aquecimento global durante a produção de energia é consideravelmente menor do que em outras nações.
“O Brasil tem tudo para dar show nessa questão ambiental referente ao chamado ‘do poço à roda’, metodologia que analisa a emissão de poluentes em todas as etapas de produção automobilística. Também acredito na grande chance de uma satisfatória aderência ao carro elétrico no Brasil, pois nós temos uma boa relação comercial com a China. E o país asiático, com a sua grande produção de carros elétricos, tem o interesse de exportá-la para os seus parceiros comerciais”, explica Carlos.
Contudo, ainda há alguns desafios até que os automóveis elétricos tenham adesão massiva. Uma dessas barreiras diz respeito à infraestrutura, mais especificamente, a uma rede para o abastecimento desses veículos, com espaços que possuam tomadas de grande desempenho, de modo a otimizar o tempo de carga total da bateria.
“Só que é importante dizer que esse mesmo problema de infraestrutura também existiu no início dos carros com motor a combustão. Postos de gasolina, por exemplo, eram inexistentes nesse período, fazendo com que os usuários precisassem abastecer comprando gasolina em pequenos comércios, conhecidos popularmente como secos e molhados”, afirma Roma.
A autonomia das baterias elétricas também é uma questão relevante a ser superada, tendo em vista ainda haver uma limitação, impactando principalmente viagens mais longas. “Mas estamos tendo avanços significativos nesse quesito e, daqui uns anos, poderemos ter baterias de alta performance do tamanho de uma caixa de sapato ou até mesmo de um smartphone”, comenta o engenheiro.
Outro importante obstáculo é o elevado custo para adquirir um carro elétrico, fazendo com que veículos a combustão ainda sejam mais atrativos financeiramente.
“Na minha visão, esse é um grande problema para o carro elétrico decolar em vendas atualmente, já que, quando um carro elétrico custar o mesmo valor de um carro a combustão, não vai mais fazer sentido manter esta tecnologia”, diz Carlos. “Mas isso está perto de acontecer, pois empresas como a chinesa BYD estão produzindo modelos de carros elétricos custando na faixa de 100 mil reais, a mesma faixa de veículos similares a combustão”, complementa.
Para o engenheiro, a superação dessas e de outras barreiras é apenas uma questão de tempo. Afinal, não só os governos, mas as mentes mais brilhantes do mundo estão engajadas em encontrar soluções a fim de que o automóvel elétrico se torne viável para suprir às demandas de transporte ao redor da Terra.
Vantagens para além da questão ambiental
Mesmo sendo vital à nossa sobrevivência, a redução das emissões de gases poluentes pode não ser o argumento definitivo para convencer uma parcela da população a aderir ao uso de carros elétricos.
Uma explicação desse fato é o histórico de tentativas de inovações no setor automobilístico sem bons resultados, a exemplo de modelos que demandam manutenção de alto custo, peças sem reposição e veículos com vícios de fábrica. Ou seja, quando se trata de adquirir um modelo novo de carro que promete grandes mudanças, a palavra de ordem é a prudência.
Assim, para quem tem receio de aderir aos carros elétricos mesmo quando a disponibilidade de modelos no mercado aumentar, Carlos elenca algumas outras vantagens em relação aos motores a combustão.
“A primeira vantagem é a facilidade de dirigir, pois só há dois pedais, que são o freio e a aceleração. E, dependendo do modelo, a capacidade de frenagem é tão alta que basta um pedal apenas para acelerar e reduzir a velocidade”, afirma o engenheiro.
Outro benefício apontado por ele é a questão do barulho, já que um carro elétrico é extremamente silencioso, além de não lançar nenhum tipo de gás nocivo na atmosfera. Desse modo, não há emissão de poluentes e de ruídos.
Adicionalmente, há a prerrogativa de poder deixar o veículo carregando em uma tomada enquanto não é preciso utilizá-lo. Assim, otimiza-se o tempo e evitam-se filas para abastecimento em postos de combustível. Existe ainda a possibilidade de recarregar as baterias através da energia solar.

Por fim, outro ponto positivo é o alto nível de torque, ou seja, é um automóvel extremamente potente, que pode atingir altas velocidades. “E se alguém ainda tiver algum tipo de preconceito com os carros elétricos, eu indico à pessoa fazer um test drive, pois ela precisa conhecer, já que é amor à primeira acelerada”, conclui Carlos.
Como vimos, ainda há um caminho a ser percorrido até que os automóveis elétricos se tornem totalmente viáveis ao uso massificado. No entanto, ao que tudo indica, em breve não só emitiremos menos poluentes na atmosfera utilizando tais veículos, como também teremos mais comodidades e conforto ao dirigir.