Por Edmar Neves
Entre o emaranhado de trânsito, arranha-céus e pessoas apressadas da maior cidade da América do Sul, existem alguns oásis de verde que estouram as grossas camadas de concreto e ajudam a desacelerar o ritmo sempre frenético da terra da garoa. Dentre esses oásis nos quais as pessoas vão em busca de descanso e lazer, há um em que as árvores, os lagos artificiais e as quadras esportivas dividem espaço com caravelas renascentistas, pirâmides que furam o céu, figuras monumentais presas em reflexões intermináveis, sons importados de florestas longínquas e com naves extraterrestres que disputam o horizonte com bolhas de sabão gigantescas.

A descrição acima poderia facilmente ser de uma narrativa de ficção científica ou do realismo maravilhoso. Ela se refere, na verdade, à exposição ao ar livre e gratuita Realidades e Simulacros, do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), que está em cartaz no Parque Ibirapuera, na capital paulista, até o dia 17 de dezembro. Nela, é possível acompanhar a inovação do uso de realidade aumentada para ampliar a imersão dos visitantes.
“A ideia de uma exposição com realidade aumentada surgiu desde o início de nossas conversas, já que o MAM tem uma atuação bem relevante com tecnologias. Inclusive, no ano passado fizemos uma experiência com o jogo de video game Minecraft. Mas dessa vez queríamos que as obras fossem concebidas dentro desse conceito e não que fossem adaptações de obras já existentes”, é o que nos conta Cauê Alves, curador-chefe do MAM e um dos responsáveis pela Realidades e Simulacros.
Foi por meio dessa vontade de construir uma exposição interativa em realidade aumentada com obras produzidas a partir de tecnologias digitais que se desenhou o projeto. “Primeiro, fizemos uma lista dos curadores para levantar quais artistas gostaríamos de ter compondo a exposição. Depois, foi um processo intenso de diálogos para detalhar as propostas que eles apresentaram e afinar com o pessoal da área de tecnologia”, diz Marcus Bastos, também curador da exibição, artista e pesquisador.
Já o nome da exposição evoca a percepção de que os meios digitais produzem novas realidades, afinal, o uso de celulares, por exemplo, mudou totalmente a forma como interagimos no mundo real. Assim, na perspectiva dos curadores, os simulacros produzidos no mundo digital são complementares à realidade física.
Realidade aumentada, o que é isso? |
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A realidade aumentada é um conceito desenvolvido pelo professor de engenharia eletrotécnica Thomas P. Caudell, em 1991, enquanto realizava pesquisas para uma empresa de aviação. O termo diz respeito ao uso de tecnologias visando acrescentar elementos virtuais em um ambiente físico, trazendo uma gama de possibilidades de interações. Para tanto, são utilizados desde aplicativos em aparelhos de celular, passando por monitores, até inovações implementadas em óculos. Mesmo que o conceito e as técnicas para viabilizá-lo tenham começado a se desenvolver no início da década de 1990, e que diversas empresas já usem a realidade aumentada há bastante tempo, ela só se popularizou em 2016, com o lançamento do jogo interativo Pokémon GO. Tal desafio possibilita ao usuário procurar e capturar as criaturas da famosa franquia japonesa utilizando a tela do celular, a fim de visualizá-las no mundo real. |
Obras presentes na exposição
Para a exposição, foram reunidos 10 artistas de várias localidades e que são referência na arte contemporânea. As obras criadas por cada um são bastante diferentes entre si, o que contribui para a ideia da multiplicidade cultural característica do mundo digital.
Entre essas produções está a “Monumento à Colonização”, do multiartista nascido no Rio Grande do Norte Daniel Lima, que se trata de uma réplica digital da caravela utilizada por Pedro Álvares Cabral durante a chegada dos portugueses às Américas. A “Ouragualamalma”, do videoartista, cineasta e designer gráfico mineiro Eder Santos, retrata uma grande pirâmide representando a ligação entre a terra e o céu.
Já a nave extraterrestre que voa sobre a cabeça dos visitantes é a obra “Rasante”, criação da artista porto-alegrense Regina Silveira. Disputando o espaço aéreo com “Rasante”, temos “A Bolha”, da artista, poeta e professora carioca Katia Maciel, sendo literalmente uma gigantesca bolha de sabão que paira no céu do Parque Ibirapuera.
Também há obras que se utilizam do som para atiçar os sentidos dos visitantes, como: a “RevoAR :: a Vida é uma Utopia”, do artista multimídia, músico e produtor musical paulista Dudu Tsuda, a qual traz uma floresta sonora com sons da Mata Atlântica; e a “Rádio Detín”, da artista, pesquisadora e professora carioca radicada em Salvador Paola Barreto, que explora a sonoridade da ancestralidade e da cultura africana.

As outras produções que compõem a exposição são: a “Monumento à Resistência dos Povos”, do Coletivo Coletores, sendo este formado pela dupla de artistas e pesquisadores Toni Baptiste e Flávio Camargo; “Incertezas Artificiais”, do artista multimídia paulista Lucas Bambozzi; “Górgona 01”, do artista, curador e professor uruguaio radicado em São Paulo Fernando Velázquez; e “Brejo das Delícias”, da artista e professora Giselle Beiguelman. A ideia é que, no decorrer da exibição, outras obras sejam incluídas.
Realidade aumentada nas palmas das mãos
Para conseguir ver e interagir com a Realidades e Simulacros, basta ter um celular em mãos e apontar sua câmera a um QR Code inserido em dos totens espalhados pelo Parque. Não há necessidade de instalar algum aplicativo extra no aparelho, mas é preciso ter acesso à internet para aproveitar a experiência.

Adicionalmente, deve-se permitir que a plataforma da exposição tenha acesso à câmera e ao GPS do dispositivo. “E não é necessário ter um aparelho muito sofisticado para ver a exposição, já que qualquer celular hoje em dia consegue ter acesso às tecnologias para interação com a realidade aumentada”, explica Marcus.
A visita pode ser realizada durante uma caminhada ou um passeio de bicicleta. Também há a possibilidade de realizar uma visita guiada com o carrinho elétrico do IbiraTour, mas esta opção demanda o pagamento de uma taxa.
Agora, quem não quer ficar andando à procura dos totens pode consultar, no site do MAM, um mapa do Parque Ibirapuera que aponta a localização de todos eles. Tem-se, assim, uma facilidade significativa no momento da visita.
Possibilidades para o futuro
Obras que exploram os limites entre linguagens e que desafiam convenções, como realidade e ficção, são parte essencial de todo um sistema que chamamos de arte contemporânea. Contudo, por mais surpreendente que seja, o uso de realidade aumentada parece ser ainda pouco explorado em museus e instalações artísticas, conforme nos explica Cauê.
“Temos visto uma série de usos dessas tecnologias na publicidade, mas na arte conhecemos poucas iniciativas. Já em instituições como museus, não conhecemos nenhuma que tenha feito uma exposição como a Realidades e Simulacros. Ou seja, estamos produzindo uma exposição pioneira que pode servir de inspiração para outras exposições que estão por vir”, comenta.

Mas, mesmo que a proposta da exibição tenha um caráter de ineditismo, a tecnologia aplicada não foi produzida do zero. “Utilizamos uma plataforma chamada 8th Wall, que inclusive é a mesma plataforma do Pokémon GO, a qual nos proporcionou as funcionalidades necessárias para adaptarmos e desenvolvermos o nosso projeto em realidade aumentada”, diz Marcus.
“Esse tipo de exposição em realidade aumentada é um campo novo e possibilita que a atuação dos museus e exposições em geral extrapole os limites físicos do espaço e consiga chegar em públicos que talvez não fossem a uma exposição tradicional”, explica Cauê Alves.
“Por isso vejo um grande avanço, no sentido de que a partir da tecnologia o museu se abre para o seu entorno. E a nossa expectativa com a Realidades e Simulacros é de chegar em públicos diversos, aumentando a penetração do museu na sociedade”, finaliza Cauê.
