Por Emerson Luchesi
Quem não aprecia os momentos e sensações que trazem alívio e conforto? Todos nós buscamos direta ou indiretamente o nosso bem-estar e a comodidade tanto física quanto emocional. Você provavelmente não ouviu falar do termo “cultura do conforto”, mas certamente seu comportamento (ou parte dele) se insere nesse fenômeno que se potencializou com o advento da pandemia e está conosco até hoje.
É mais que comprovado que a pandemia mexeu com as nossas vidas. Sobretudo a nível psicológico, os impactos da pandemia afetaram comportamentos e a maneira como lidamos com certas situações presentes no nosso dia a dia. Muitos dos nossos hábitos se transformaram e outros foram incorporados à rotina em um momento em que nos deparamos com sentimentos de medo, incertezas, preocupações e aflições.
Para lidar com esses sentimentos, muitas vezes buscamos refúgio em lugares que nos confortam, nos acolhem, que transmitem segurança e nos satisfaçam: pode ser através de uma música que gostamos – aquela que você costuma ouvir sempre em casa, no carro ou antes de dormir – ou de um filme que você faz questão de assistir de tempos em tempos (sagas como “Harry Potter” ou “Crepúsculo”, por exemplo) ou, ainda, aquela série favorita que já é um pouco antiga, mas consta na lista como conteúdo consumido pela terceira ou quinta vez. O desejo de voltar ao “lugar conhecido” por medo de entrar no desconhecido acaba sendo, por vezes, uma atitude recorrente em muitos momentos do nosso cotidiano.
Desse modo, a cultura do conforto é um comportamento que se destacou fortemente no período da pandemia e pode ser descrita como a busca das coisas que já conhecemos, seja um filme, uma série, músicas, telenovelas, livros etc.
Trata-se da busca do lugar conhecido que nos traz conforto e segurança, não é um comportamento isolado, mas sim um fenômeno mundial.
Josy Andrade, psicóloga clínica, conta que essa busca por segurança em coisas que já são conhecidas se potencializou durante o período pandêmico. Foi durante a pandemia que experimentamos muitas alterações na nossa rotina, como a mudança do ambiente de trabalho, muitas relações cortadas, entre outros desafios, pois o isolamento social produziu em nós a busca incessante pela segurança e pelo bem-estar.

A própria internet tem influência nessa cultura porque ela proporciona a busca e o encontro de conteúdos que já consumimos e que nos fizeram bem, trouxeram satisfação e proporcionaram conforto. Não se trata apenas de buscar algo para aliviar o estresse, mas sim de repetir um conteúdo já consumido duas, três, cinco vezes – ou quantas forem necessárias – certos de que nos trará sensações de segurança, alívio e acolhimento.
O conhecido: lugar da memória afetiva e da nostalgia
Em um mundo com tantas opções, com tantas alternativas de entretenimento, sobretudo no ambiente virtual, a busca por algo novo acaba exigindo um tempo maior, e o anseio de otimizar o tempo, de investir em algo que nos complete, agrade e satisfaça, direcionando-nos ao conhecido e motivando a permanecer no confortável, no lugar do bem-estar.
A nostalgia também é um sentimento presente nas coisas conhecidas ao escutarmos nossa música preferida, assistirmos nossos filmes favoritos, novelas ou séries por diversas vezes, revelando a nossa busca pela sensação de segurança e conforto no ato de reviver emoções baseadas naquilo com o que já tivemos contato, consumimos, experimentamos e experienciamos.

Nesse sentido, a psicóloga destaca que alguns fatores corroboram para a vivência da cultura do conforto: a falta de tempo na busca por algo novo, a ansiedade e o estresse que nos impulsionam na busca pelo escapismo no encontro de opções que aliviam a tensão emocional e o medo de se frustrar diante de coisas novas, de se arriscar e se decepcionar.
“O esgotamento físico e mental nos direciona para o lugar de segurança, investindo nosso tempo naquilo que já é conhecido e confortável, o lugar da memória afetiva e o lugar da nostalgia”, revela.
Em busca da identidade
“Quando abrimos uma plataforma de streaming somos bombardeados por diversas sugestões e informações, e para não perder tempo muitas vezes escolhemos aquilo que já conhecemos, que é confortável e que não nos trará frustração. Não é à toa que algumas séries antigas acabam voltando para o catálogo das plataformas e são as mais vistas e outras acabam ganhando uma nova temporada depois de anos”, destaca a psicóloga.
De certa forma, a pandemia também freou as produções artísticas e culturais contribuindo para que as pessoas se ocupassem consumindo coisas já vistas e conhecidas no ambiente virtual. Ao mesmo tempo, esse comportamento colaborou para reviver experiências e emoções experimentadas antes da crise sanitária, gerando um sentimento nostálgico e de escape nos dias desafiadores e de crises. O comportamento da cultura do conforto também está relacionado à busca pela identidade naquilo que conhecemos e com o que nos identificamos, “muitas vezes um simples filme ou música desencadeia o sentimento de nostalgia, revivendo momentos e resgatando nossa identidade, que muitas vezes é perdida na correria do dia a dia”, finaliza a profissional.

O ponto positivo desse tipo de comportamento é utilizá-lo como uma forma de escapismo, algo que alivia o estresse, o cansaço e que provoque boas sensações como alívio e aconchego. Está tudo bem você assistir “Friends”, “Grey’s Anatomy” ou quaisquer outras séries e filmes pela oitava ou décima vez. Tudo bem ouvir a mesma playlist todos os dias a caminho do trabalho e na volta para casa também. Mas não se esqueça de tentar assistir uma nova série, um novo filme de vez em quando, assim como ouvir novas músicas, novos artistas e se aventurar em novas experiências e emoções.