Por Emerson Luchesi
A água é um bem preciosíssimo! O que seria de nós sem esse recurso? Seja para beber, lavar, cozinhar, cultivar as plantas, produzir alimentos… A água sempre está presente em nossa vida, sendo imprescindível não só para nossa sobrevivência, mas também para tudo aquilo que consumimos e para todas as atividades que praticamos.
Os alimentos que ingerimos, por exemplo, precisam de uma grande quantidade de água, do plantio à colheita, até chegarem em nossa mesa. Assim, pequenos, médios e grandes agricultores necessitam desse recurso indispensável para suas produções. Em regiões onde as chuvas são irregulares, a título de exemplo, faz-se necessária a técnica de irrigação, de modo que o cultivo seja preservado e haja água para o desenvolvimento da cultura.

Mas o que fazer para que essa substância não falte? Ainda, como cuidar dos recursos hídricos a fim de que atendam efetivamente à demanda de produções agrícolas, sobretudo da agricultura familiar? Conheça, através desta matéria, um trabalho importantíssimo de zelo, preservação e gestão deste elemento fundamental: a água!
Plantar água… Será mesmo que isso é possível? A expressão resume uma prática muito bem-vinda para o meio ambiente e para nós, seres humanos. O conjunto de atividades denominado plantio de água faz parte do trabalho de muitas pessoas preocupadas com a perenidade e a gestão consciente dos recursos hídricos no campo, como nascentes, bacias e microbacias hidrográficas.
PLANT’ÁGUA: recuperar, conservar e gerir os recursos hídricos no meio rural
O plantio de água funciona como uma forma de recuperação, conservação e gestão desse recurso no meio rural. Tal atividade foi iniciada através de um projeto no Sudeste do Brasil, mais precisamente no sul do estado do Espírito Santo, denominado Plantadores de Água, o qual foi patrocinado pelo Programa Petrobrás Ambiental (2012-2015). Logo depois, o projeto se tornou a Associação de Plantadores de Água (PLANT’ÁGUA). A atuação dos associados visa a restauração de áreas degradadas e a proteção dos recursos hídricos, de modo a ampliar a quantidade e a qualidade da água em propriedades situadas no campo.
Para entender um pouco mais sobre essa iniciativa, conversamos com o Sr. Newton Campos, técnico agrícola, agricultor e responsável pela PLANT’ÁGUA. Ele explica que hoje a associação tem oito anos de vida, desempenhando um papel de assessoria técnica hídrica para recuperação de nascentes e microbacias. A entidade é composta por agricultores, técnicos, estudantes de diversas áreas do conhecimento e demais pessoas sensibilizadas com o tema.

A associação utiliza uma combinação de técnicas que são capazes de elevar a quantidade e a qualidade hídrica, por meio da maior captação da água da chuva nas áreas rurais, reduzindo a erosão e as enxurradas, de modo a aumentar a infiltração da chuva no solo. “Nós construímos córregos entendendo o ciclo da água da chuva e ‘plantamos água’ nas cabeceiras de bacias, segurando a água da chuva”, ressalta o técnico agrícola.
A iniciativa começou no município de Alegre (ES), na Serra do Caparaó. Conforme a página da Fundação Banco do Brasil (BB) que descreve a tecnologia social “plantio de água”, o Caparaó “apresenta relevo modelado em rocha, bastante inclinado e elevado, com altitudes que variam entre 100m e 1.326m”. A região tem como atividades preponderantes a monocultura de café e a bovinocultura extensiva de leite e corte. Tais práticas ocasionaram uma significativa fragmentação florestal, bem como a degradação do solo e da água da localidade.
Além dessas características naturais e culturais, existia a falta de conhecimento acerca da gestão dos recursos hídricos por parte dos agricultores locais. Entretanto, com a execução do projeto Plantadores de Água e o trabalho da PLANT’ÁGUA, foi possível levar aos lavradores a educação ambiental. Assim, o projeto e, consequentemente, a associação surgiram a partir do objetivo de melhorar a gestão desse elemento tão importante para as culturas locais e para a população rural, visando recuperar os recursos naturais degradados por consequência das atividades humanas desenvolvidas na região.
A ação de plantio de água teve início no Sítio Jaqueira Agroecologia, propriedade gerida pelo Sr. Newton, que hoje é modelo de gestão de recursos hídricos e sede da PLANT’ÁGUA. O técnico agrícola ressalta que a iniciativa é pioneira. Sua difusão em áreas que necessitam dessas atividades acontece por meio dos “crias”, pessoas que levam a ideia adiante depois de aprenderem com a atuação do projeto e da associação. Assim, as técnicas são difundidas pelo Brasil afora por meio de outras entidades, mas o trabalho da associação se concentra em regiões do estado do Espírito Santo e Minas Gerais.
Conheça o trabalho dos plantadores de água
Newton explica que a água vem de um ciclo, ou seja, do ciclo da água. A água está no mar. O mar é a casa dela e de lá esse elemento evapora e forma as nuvens, sendo que é através da chuva que a água vai para o solo e chega ao lençol freático.
“Nós plantamos árvores nas montanhas e essas árvores bebem água. A árvore plantada na cabeceira é capaz de secar uma nascente, porque ela vai fazer evapotranspiração, então nós plantamos as árvores abaixo das nascentes. As árvores que estão no topo do morro atraem as nuvens que vêm do mar, cai a chuva e essa chuva volta para o mar muito rápido se ela não for contida na cabeceira das nascentes. Então, de acordo com esses princípios, nós plantamos água segurando as chuvas acima das nascentes e cabeceiras de bacias”, comenta o técnico agrícola.
Desse modo, Newton esclarece que é a partir do entendimento do ciclo hídrico que ocorre o trabalho dos plantadores de água. Os métodos adotados para barrar a água acima e abaixo das nascentes envolvem buracos, caixas secas, terraços de contenção e barraginhas ou caixas cheias (pequenos açudes feitos à mão para conter a água abaixo da nascente). Com isso, é possível que a água da chuva penetre no subsolo, chegue ao lençol freático e vaze através da nascente.
“Nós utilizamos técnicas para segurar a água nas cabeceiras das nascentes para fazer o lençol freático aumentar. Então nós recuperamos lençóis freáticos através de sua recarga hídrica acima das nascentes. A água, por sua vez, não nasce nas nascentes, a água vaza através da nascente, vaza do lençol freático, água esta que vem do mar através do ciclo natural”, ressalta o técnico.

Ele explica que o trabalho da associação é feito com base em consultorias, através da apresentação da problemática enfrentada pelo agricultor ou proprietário do local. Por exemplo, no caso em que uma nascente secou, os plantadores de água fazem a leitura do local e avaliam o tipo de procedimento e técnica mais adequada a ser implementada. Adicionalmente, efetuam o planejamento das atividades seguintes para a recuperação da nascente.
“Recuperam-se as nascentes segurando a água da chuva acima e abaixo delas. E o que se planta? Nada, porque, ao plantar em uma nascente, a árvore vai ‘beber’ água e fazer a evapotranspiração. Então, em cima de uma nascente nós não plantamos nada, fazemos o isolamento de área e esse isolamento de área é feito com a cerca”, conta. Dessa forma, evita-se o plantio de árvores na cabeceira das nascentes, dando espaço à regeneração natural da vegetação no local.
Segundo o já mencionado site da Fundação BB, o plantio de água envolve a combinação de quatro tecnologias que, conjuntamente empregadas, têm a capacidade de: reduzir a erosão do solo; elevar a infiltração de água da chuva no terreno; prevenir a contaminação do solo e da água; e melhorar a quantidade e a qualidade da água nas microbacias hidrográficas. A maior parte das técnicas visa, principalmente, direcionar a água da chuva para infiltração no solo, a fim de abastecer os lençóis freáticos, de modo a preservar e aumentar a vazão das nascentes locais.
As quatro tecnologias citadas são: isolamento de áreas de preservação permanente de nascentes e cursos d’água; recuperação de matas ciliares com sistemas agroflorestais; implantação de caixas secas, caixas cheias e terraços de contenção, visando a captação da água da chuva e sua infiltração no solo; e implementação de fossas sépticas biodigestoras ou de evapotranspiração para tratamento de efluentes das propriedades agrícolas.
Além de ter como objetivo recuperar, conservar e gerir os recursos hídricos no meio rural, de modo com que seja possível usar a água para irrigação de plantações e o consumo da população, o trabalho da associação também é uma saída para o enfrentamento das mudanças climáticas, tão notáveis nos dias atuais e tão preocupantes para o desenvolvimento do campo. Afora medidas como as de conservação das nascentes, a iniciativa também auxilia na preservação da vegetação local, especialmente das matas ciliares, importantes para o ecossistema e para a gestão dos recursos hídricos.
Vê-se, através dessa tecnologia social, a importância da educação ambiental e o compromisso dos cidadãos que utilizam as devidas técnicas em vista da garantia da segurança hídrica em suas propriedades e lavouras. Muitas são as famílias que, através do projeto dos Plantadores de Água e dos contínuos esforços da associação, dão prosseguimento às ações de plantio de água.
Dessa forma, a iniciativa tão benéfica para os produtores rurais é difundida através de seus adeptos, os quais reconhecem a importância desse grande trabalho para a educação ambiental e para o desenvolvimento econômico, social e sustentável. Assim, além de recuperar áreas degradadas e de resgatar o potencial hídrico da região, as atividades feitas pela PLANT’ÁGUA renovam a esperança dos agricultores locais em conseguirem o sustento de suas famílias através de uma cultura eficiente e sustentável.