Por Edmar Neves
Todo mundo já deve ter passado pela seguinte situação:
Era só uma olhadinha nas horas, mas aí chegou uma mensagem urgente para responder no WhatsApp, depois foi checar o Instagram e o TikTok, interagiu com a publicação do amigo ou daquele influenciador do momento, assistiu a três vídeos de notícias para estar a par dos acontecimentos, viu uma lista de curiosidades sobre algum assunto aleatório. Em seguida, já deixou os ingressos do cinema reservados para evitar um spoiler do novo lançamento e, quando percebeu, lá se foi uma tarde inteira…
“Mas por que eu peguei o celular mesmo?”
No mundo virtual, somos incessantemente bombardeados com informações sobre qualquer tema e nos mais variados formatos. Tudo tem um verniz de extrema importância e/ou urgência, o que nos deixa ansiosos para interagirmos com todos os conteúdos que nos são oferecidos, além de amedrontados pela possibilidade de estarmos desinformados sobre o assunto do momento.

Esse fenômeno, que vem afetando milhões de pessoas ao redor do mundo, tornou-se uma patologia psicológica conhecida como síndrome de FOMO, sigla de Fear of Missing Out, do inglês, que pode ser traduzida como “medo de ficar de fora”. Tal condição diz respeito ao temor de não acompanhar os assuntos relacionados às tecnologias digitais, principalmente os que se propagam nas redes sociais, fazendo com que as pessoas permaneçam conectadas à internet por cada vez mais tempo.
“O FOMO surge ligado às nossas relações com as atuais tecnologias, ganhando grandes proporções. Mas é importante dizer que o medo de não acompanhar o que está acontecendo não é recente, pois ele é muito relacionado ao medo da inadequação, ou seja, de não pertencimento a um grupo, algo que remete ao início da humanidade”, é o que nos explica a neuropsicóloga Louise Escócio. Ela conversou conosco para nos ajudar a entender esse e outros fenômenos que têm como palco a internet.
Aprendendo a pisar no freio
Se a partir dessa breve descrição da síndrome de FOMO você já está se preocupando com o tempo perdido no ciberespaço ou por causa daquela ânsia para acompanhar tudo que acontece no mundo virtual, calma. Respire e saiba que há muitas pessoas como você e que, inclusive, estão em busca de uma vida menos conectada.
Com a percepção de que não é saudável passar horas consumindo conteúdos da internet, começou-se uma espécie de comportamento de contracultura para se opor ao FOMO. Essa conduta foi intitulada pela sigla JOMO, do inglês Joy of Missing Out, ou “alegria de ficar de fora”, em português.

“Esse sentimento também já é conhecido há muito tempo e está muito ligado à ideia de viver o momento, aproveitar o agora, estar conectado consigo em um processo de autoaprendizagem. Tudo isso sem se sentir mal por não ficar totalmente ligado a um grupo, ou, ainda, sem ficar com medo de estar perdendo alguma novidade, alguma notícia ou movimento cultural inerente ao grupo ou contexto”, afirma Louise.
Essa ansiedade em acompanhar tudo que acontece está tão entranhada em nós que a ideia de ficarmos por fora do assunto atual já nos causa inquietação. “Só que chega uma hora que o cérebro não dá mais conta de consumir tudo. E, então, a pessoa precisa priorizar o que realmente é importante para ela, fazendo uma triagem não só dos conteúdos a serem consumidos na internet, mas também dos lugares que se quer frequentar, das pessoas que se quer próximas, dos produtos a serem comprados etc.”, diz a neuropsicóloga.
“Você começa a se conectar mais com coisas ligadas à sua essência, buscando o que realmente é importante para você e passa a renunciar outras coisas, ou seja, começa a fazer escolhas e isso tudo vai gerando bem-estar”, explica Louise.
Questões de saúde
E se engana quem pensa que passar horas acompanhando o que acontece nos meios virtuais e tecnológicos traz como transtorno apenas a perda de tempo. Há diversas pesquisas que apontam os sérios problemas de saúde mental que podem ser gerados pelo uso abusivo das tecnologias vindo desse medo de ficar por fora do assunto do momento.
De acordo com dados apresentados pelo Instituto Delete, entidade vinculada ao Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), sete em cada dez pessoas utilizam as tecnologias digitais de maneira abusiva. E, entre dez indivíduos, três apresentam sintomas de dependência patológica por esse uso desregrado.
Um dos indicados como responsável pelo uso abusivo da internet é a dopamina, neurotransmissor que é liberado toda vez que o nosso cérebro interpreta um estímulo externo como algo prazeroso.
Assim, cada simples estímulo que temos enquanto usamos uma rede social, como ao recebermos uma curtida em uma publicação que fizemos no Instagram, libera uma quantidade de dopamina que nos proporciona alguns instantes de prazer. Isso acaba nos viciando e fazendo com que permaneçamos online por mais tempo. Nesse sentido, até mesmo paramos para descansar consumindo algum conteúdo, mantendo, então, esse ciclo de hiperestímulo.

“Nas minhas consultas eu tenho percebido muitos casos envolvendo esse abuso das tecnologias, inclusive vejo uma grande dificuldade de as pessoas conseguirem se ‘desligar’ um pouco”, diz Louise.
“Do ponto de vista da neurociência, é como se o cérebro das pessoas estivesse sempre em alerta, e nosso organismo não está preparado para lidar com essa sensação de alerta permanente. Ou seja, ele não consegue processar esse tanto de informação que estamos consumindo, o que gera estresse, ansiedade, cansaço, entre outros sintomas”, complementa a neuropsicóloga.
O JOMO como uma tendência “natural”
Mesmo que a perspectiva em relação ao uso abusivo das tecnologias digitais e da internet não seja lá muito boa, Louise aponta para um movimento que pode dar certa esperança.
“Eu percebo que essa busca por aceitação é muito própria da nossa juventude e, conforme vamos amadurecendo, não nos preocupamos tanto com esse lugar de pertencimento, pois já entendemos quais são nossos grupos e o que estamos dispostos a fazer para nos sentirmos incluídos”, diz.
“Na verdade, eu vejo esse movimento de abusar de alguma coisa para se sentir pertencente a um grupo como algo cíclico, porque haverá momento de segurança ou insegurança; isto é, a depender do momento da vida, nós estaremos mais abertos ou não para fazermos certos tipos de coisas para nos sentirmos aceitos”, explica.
E se o FOMO é caracterizado pelo medo de ficar de fora de uma tendência, ou de se sentir excluído de um grupo, pegar leve no consumo de conteúdos vindos da internet pode, na realidade, trazer muitos benefícios para as nossas relações pessoais.
“Gastamos muita energia por conta dessa hiperexposição à internet e às tecnologias. E no meu caso, para dar conta da minha profissão, eu preciso desacelerar, consumir menos informações, sair com menos frequência, ser mais criteriosa com os ambientes que eu frequento e um reflexo disso é que minhas relações pessoais têm mais qualidade”, finaliza Louise.

Dessa forma, ao nos desconectarmos das tecnologias digitais e das redes sociais para aproveitarmos mais o agora, ou seja, ao evitarmos o mundo virtual, conseguimos não só uma melhor qualidade de vida, mas também uma melhoria nas relações pessoais. Ainda, citando o cantor e compositor cearense Belchior: se for para termos delírios, que sejam por experiências com coisas reais.